Para especialistas, calçadas quebradas e faixas de pedestre sem rampas de acesso reduzem a mobilidade e colocam o deficiente em condições vulneráveis
Calçadas quebradas, falta de rampa de acesso em faixas de pedestres são algumas das reclamações de pessoas com deficiência que andam pelas ruas e avenidas da capital Boa Vista. A reportagem do Jornal Cacos constatou, só no Centro da cidade, diversos pontos com pouca ou nenhuma acessibilidade para cadeirantes e demais cidadãos com mobilidade reduzida.
Um dos pontos constatados pela reportagem fica na rua Bento Brasil, em frente ao Colégio Estadual Euclides da Cunha. Alvo de polêmica recente, a calçada em um dos lados da rua, contava com uma rampa de acessibilidade, porém uma placa de sinalização foi instalada bem no local, obstruindo a passagem de pessoas deficientes. Com a repercussão negativa nas redes sociais, agentes de infraestrutura da Prefeitura da capital retiraram a placa e pintaram a rampa.
Porém, um problema ainda persiste no ponto registrado: a rampa só existe de um lado da rua, e o cadeirante que atravessa a faixa de pedestres, não conta com a mesma infraestrutura do outro lado da via. Para concluir o trajeto, é preciso se arriscar e tentar subir a calçada alta.
Situação semelhante em outros pontos, como na Praça do Centro Cívico, no semáforo para pedestres em frente à Catedral Cristo Redentor, onde não há rampa para cadeirantes atravessarem a faixa. Um pedestre, que acompanhou a nossa apuração, relatou, sem querer se identificar, que pela via ser movimentada, o risco de acidentes graves aumenta nesse ponto.
Ainda na Praça do Centro Cívico, já em frente à Assembleia Legislativa estadual, a rampa de acessibilidade só existe do lado da avenida que compreende o Palácio Antonio Martins, mas do outro lado da faixa de pedestres, próximo à Tribuna Hesmone Grangeiro, não há elevação de acesso, complicando a mobilidade no local.
Dobrando logo em seguida na avenida Ville Roy, ainda próximo da Assembleia estadual, outra faixa de pedestres não atende a cadeirantes do modo adequado. Dos dois lados da via, não existe qualquer rampa que facilite a acessibilidade de deficientes que precisam acessar a região central da cidade.
Mobilidade como Desafio
Wesley Carvalho é contador e, para ele, quem utiliza rodas para se locomover, enfrenta grandes dificuldades para exercer o direito de ir e vir em Boa Vista. De acordo com ele, a má qualidade das calçadas tem sido o principal desafio para a acessibilidade de deficientes.
"Eu classifico a acessibilidade aqui em Boa Vista como amadora; uma vez que a nossa cidade é plana, e a mobilidade deveria ser maior. São muitas dificuldades para nós cadeirantes, e as calçadas reduzem muito nossa mobilidade; você sobe em uma rampa, não sabe se vai descer lá na frente; algumas são muito altas e para quem não tem uma cadeira motorizada, tem que fazer um esforço a mais no braço para subir a rampa. Sem falar, que muitas calçadas, principalmente no Centro são quebradas e não seguem um padrão, existem muitos desníveis. Transitar com as rodas nesses locais fica praticamente impossível", relata.
Ele conta que precisa andar pelas ruas de Boa Vista, mas enfrenta muitas dificuldades para exercer ações simples, como atravessar uma faixa de pedestres ou subir uma calçada, só são realizadas com a ajuda de outras pessoas que estejam passando por perto.
"Já passei por muitos constrangimentos, inclusive no transporte público, falando em ônibus. Temos sempre que andar com alguma pessoa ou contar com a ajuda de alguém que esteja naquele momento no lugar. Isso sempre nos insere em uma condição de vulnerabilidade e dependência da sociedade", avalia.
Para ele, as leis existentes já são suficientes na teoria, mas para que o direito de ir e vir seja garantido através da acessibilidade, ainda há a necessidade de mais investimentos na fiscalização do cumprimento prático da legislação.
"Essa fiscalização tem que vir dos nossos parlamentares também, estaduais e municipais. Alguns se ausentam, outros até ensaiam indicações ao Executivo, mas demora muito para sair do papel e o problema continua afetando. Essa preocupação deve vir ainda no início de qualquer obra de infraestrutura, e muitos locais recém-inaugurados não tiveram essa preocupação. A acessibilidade é importante, traz autonomia, independência e qualidade de vida para os deficientes, que também são pessoas. São cidadãos que precisam ser inseridos no meio social", finaliza.
As leis e a aplicação
Para Rodrigo Edson Castro, presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo, garantir acessibilidade deve ser indispensável para todo cidadão, com ou sem deficiência ou mobilidade reduzida, e afirma que as leis são peças fundamentais para trazer uma ampla discussão para toda a sociedade.
"Todos nós passamos por algum momento em que teremos a nossa mobilidade reduzida, seja por uma questão de acidentes, ou doença, ou até uma idade avançada. Ter um espaço acessível é direito de todo cidadão, previsto em leis, como a 10.098/2000, que estabelece as normas e os critérios básicos para locomoção de pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, além da norma da ABNT 9050, que dão diretrizes quanto à essa propriedade", explica ele.
Ele ainda relata que, apesar das leis serem amplas e claras em torno da necessidade de garantir acessibilidade, a mobilidade para deficientes em Boa Vista ainda precisa de uma fiscalização mais rígida para aplicação prática da lei, e que o projeto de inclusão ainda precisa avançar na capital.
"Quando alguém não consegue acessar algum local por questão de projeto ou por barreiras, não é a pessoa que se torna deficiente, e sim aquele projeto que não foi desenvolvido adequadamente. E a mobilidade na capital ainda é muito complexa, porque eu vejo que prédios e praças públicas que vêm sendo inauguradas atualmente, já possuem um respeito maior nesse ponto da acessibilidade. No entanto, é importante ainda um trabalho minucioso, principalmente com relação à passeios, calçadas; e isso deve ser prioridade também do engenheiro, arquiteto, que vai conduzir a obra", finaliza Rodrigo.
A denúncia como solução
Cleo Melo é presidente do Conselho Estadual dos Direitos das Pessoas com Deficiência, e lamenta que muitos cidadãos com mobilidade reduzida continuem a ser prejudicados pela falta de acessibilidade na cidade. Segundo ela, quando o cadeirante tenta contornar calçadas sem mobilidade, ele se insere em uma situação de risco.
"A parte negativa desse problema é sem dúvida é você deixar de atender ao direito fundamental de ir e vir. Você ter toda essa dificuldade, de acesso, de locomoção, é uma privação. Sem calçadas e passeios acessíveis, as ruas, que são projetadas para veículos, bicicletas e motocicletas, acabam se tornando o local onde cadeirantes acabam trafegando e disputando espaço no próprio trânsito. Isso é evidentemente um perigo para a nossa segurança", alerta ela.
Para Cleo, além da educação e do respeito que não deve faltar por parte da sociedade como um todo, é preciso fiscalização, pois de acordo com ela, calçadas inacessíveis, rampas inexistentes, faixas de pedestres que atrapalham aos cadeirantes são produto direto da falta de atenção do poder público.
"Enfrentamos desafios, e fiscalização tem sido falha nesse sentido; por isso, a sociedade, não apenas os cadeirantes podem formalizar denúncias nesse sentido. Existem órgãos, como o Coede, que analisam essas situações de falta de acessibilidade levantadas, um direito que nos é negado também. A denúncia pode ser encaminhada por e-mail para a gente, pelo endereço coederr@gmail.com ou presencialmente aqui na Setrabes, não esquecendo de informações que sustentem o relato, como local, endereço, que nós filtramos os relatos e encaminhamos para os demais órgãos que vão acompanhar essa situação até uma solução", conclui.
O que dizem os citados?
Em nota, a Prefeitura da capital afirmou que vai avaliar os pontos sem acessibilidade levantados pela reportagem para notificar a necessidade de adequação dos locais, mas afirmou que, embora o novo projeto de calçamento de ruas da capital priorize a acessibilidade, a adaptação de calçadas para pessoas com deficiência não é competência direta do Executivo municipal.
Leia a nota abaixo:
"A Prefeitura de Boa Vista informa que a construção de calçadas, já com rampas de acesso, em frente as residências e demais propriedades particulares, é de responsabilidade do proprietário do imóvel, conforme o Código de Postura do Município. Quando se trata de obras públicas, a responsabilidade recai sobre os órgãos públicos competentes.
Diante das situações relatadas, o município avaliará cada local em questão, notificando os responsáveis para as adequações, além de verificar a possibilidade de alguma intervenção do município de forma mais emergencial.
É importante esclarecer que mesmo não sendo responsabilidade da prefeitura, a gestão municipal tem trabalhado para garantir que ruas de Boa Vista sejam contempladas com serviço de calçadas, junto com grande parte das obras de infraestrutura. Neste caso, cada projeto executado pelo município já consta acessibilidade, permitindo segurança aos pedestres, idosos, cadeirantes, mães com crianças e carrinhos de bebê, dentre outros."
Por Alessandro Leitão e Naamã Mourão
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